sexta-feira, 22 de maio de 2020

Poético abandono



As folhas de hera cobrem tuas paredes,
Portas,  janelas e varandas,
Lembrando verdes demãos de tintas,
Afagos a protegê-la das intempéries...
A escada com nove degraus, ainda,
Preserva parte do mármore,
A porta principal, já sem a dourada
Maçaneta é aberta com facilidade,

E a cada passo, sinto a solidão -
Um silêncio especial espreita-me
Nos gastos tapetes, no piano
Deixado à própria sorte,
Sonhando com Debussy...

A alma da casa abandonada
Refugia-se em imagens e sons
Do passado -
Continuo minha aventura -
Caminhada, sem pressa, com o olhar
E, curiosa, abro mais uma porta,
Encontrando, janelas sem vidros
Que  deixam o canto dos pássaros
Mais próximos, fazendo parte
Da linda, mas esquecida, adega
As garrafas de vinho,
Sem rótulos e rolhas
   (Nuas - vazias)
Ocupam prateleiras
Como se livros fossem -
Lunetas encantadas
Intocáveis,
Umas sobre as outras
Cobertas por camadas de poeira
Lembram uma segunda pele
Imagino diálogos entre
As garrafas e as partículas de pó,
E a sonolenta cadeira, sem palhas,
A observá-las...

Ah, esse aconchego da passagem
Do tempo, tatuando objetos e sonhos -
Tempo, que tudo desgasta, esmaece,
             (Enferruja)
Leva os sorrisos e, aos poucos
        A vida  desaparece...

Choro com ela, sinto
Na casa adormecida
Um poético abandono,
Quem sabe,
Ela despertará
Em uma futura aquarela,
Quem sabe?



Vanice Zimerman, IWA
em 17/05/2020

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